"Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado...e nos perderemos no tempo... Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo : não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades... Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores...mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos !" - Vinicius de Moraes



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Aos apaixonados (trechos da crônica de Rubem Alves)

Já que a temática da semana gira em torno dos sentimentos e do coração , encontrei uma crônica de Rubem Alves , em seu livro " O amor que acende a lua" que veio bem a calhar com o tema. Como ela é um pouco extensa , vou postar apenas alguns trechos e deixo , claro , o gostinho de quero mais para que a leitura continue na obra que , como tudo aquilo que o Rubem escreve , é uma delícia. Deleitem-se !

"Dedico esta crônica aos apaixonados , mesmo sabendo que servirá para nada. É inútil falar aos apaixonados. Os apaixonados só ouvem poemas e canções. A paixão , experiência insuperável de prazer e alegria , pelo fato mesmo de ser uma experiência insuperável de prazer e alegria , coloca o apaixonado fora dos limites da razão. Todo apaixonado é tolo. Pode ser que ele escute a fala da razão. Escuta mas não acredita. Diz ele : "O meu caso é diferente"! Tolo mesmo é quem tenta argumentar com os apaixonados.




Começo minha inútil meditação com um verso terrível de T.S. Eliot. Ele está rezando. Ele sabe que somente Deus tem o poder para lidar com a loucura da paixão. Ele reza assim : "...e livra-me da dor da paixão não satisfeita , e da dor muito maior da paixão satisfeita." Todo mundo sabe que paixão não satisfeita dói. Mas poucos sabem que a paixão só existe se não for satisfeita. A paixão é um desejo de posse que , para existir , não pode se realizar. Como a fome : depois do almoço a fome acaba...


Paixão é fome. Ela só floresce na ausência do objeto amado. Mais precisamente , ela vive da ausência do objeto amado. Não se trata da ausência física , o objeto amado distante , longe. A dor da ausência física tem o nome de saudade. Saudade tem cura. A saudade é curada quando o objeto volta. A dor da paixão é diferente. Não tem cura. A saudade do objeto amado , mesmo quando ele está presente, é o perfume característico da paixão. Cassiano Ricardo sabia disso e escreveu :


"Por que tenho saudade
de você , no retrato , ainda que o mais recente ?
E por que um simples retrato,
mais que você , me comove , se você mesma está presente ?"


Que coisa mais esquisita ! Como pode ser isso ? Como se pode sentir saudade de algo que está presente ? A resposta é simples : a gente sente saudade de uma pessoa presente quando ela está se despedindo. Cecília Meireles , desenhando sua avó morta , a quem ela muito amava , disse : "Tu eras uma ausência que se demorava ; uma despedida pronta a cumprir-se." Dirão : "É natural. A avó já era velhinha..." É verdade. Mas o que caracteriza o olhar apaixonado é que ele percebe , no rosto da pessoa amada, essa ausência que se anuncia e essa despedida pronta a cumprir-se. O apaixonado pensa que sua paixão tem a ver com o objeto. Ele não sabe que foi o seu olhar que o tornou encantado. Os poetas são pessoas apaixonadas pela vida. E a sua paixão faz com que ela, a vida, apareça sempre banhada por uma luz crepuscular. Rilke perguntava, sem esperanças de resposta : "Quem foi que assim nos fascinou para que tivéssemos um ar de despedida em tudo o que fazemos?" É o olhar da pessoa apaixonada que cria a imagem do objeto da paixão. É sobre a Cecília Meireles que o Drummond escreve. Mas sua descrição , eu creio, se aplicaria a todos os objetos da paixão :


"Não me parecia criatura inquestionavelmente real; por mais que aferisse os traços de sua presença entre nós, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos. Distância , exílio e viagem transpareciam no sorriso benevolente...que confirmava a irrealidade do indivíduo."

A dor da paixão não satisfeita é essa : o apaixonado deseja possuir o objeto do seu amor, mas ele escapa sempre. Por isso ele sofre. Movido pela dor , quer possuí-lo. Não sabe que , para que sua paixão continue a existir , é preciso que ele continue escapando sempre. A paixão só ama objetos livres como os pássaros em voo.


"...e da dor muito maior da paixão satisfeita."


A dor da paixão não satisfeita é iluminada por uma alegria. O apaixonado vive na esperança de que um dia ele possuirá o objeto da sua paixão. Mas a "dor muito maior" da paixão satisfeita não tem mais esperanças. O objeto se desfez. Ela vive na tristeza do objeto perdido.(...)" - O Amor que acende a lua - Rubem Alves

Um comentário:

Will Lukazi disse...

Ei van...

obra-mais-que-prima essa do Rubem Alves hein!! Nossa!

Engraçado quando a gente se vê inteirinho em alguns textos que a gente lê né. Eu vi o meu eu antigo em alguns trechos que li na sua postagem.

Infelizmente, ou não, dentre tantos materiais dos quais somos feitos, está incluído no pacote essa tal de paixão.

Mas acho que não exista nenhuma experiência que seja ruim se soubermos aproveitar as lições que tiramos dela.

Um super beijo, amiga vanvan...